Por Pedro Nogueira, do Portal Aprendiz
Sem muros, uma escola se abre para a comunidade. Em simbiose com os demais equipamentos da região, com a rede de proteção à infância, com coletivos artísticos e organizações sociais, os habitantes desse local se articulam para garantir que a rua seja um espaço de aprendizado para todas as idades. A ideia de que só “os especialistas” detêm o conhecimento cai por terra e as pessoas que ali vivem adicionam suas experiências e saberes na construção de um projeto de desenvolvimento local que começa, mas não termina, no campo da educação. Para além do “Se essa rua fosse minha”, uma proposta: E se esse bairro fosse de todos?
A descrição acima parece um pouco fantasiosa, mas já é realidade em diversas comunidades do Brasil que resolveram assumir sua vocação educativa e converteram-se em Territórios Educativos.
Mas o que é um Território Educativo?
Para Helena Singer, diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz e organizadora da Coleção “Territórios Educativos – Experiências em Diálogo com o Bairro-Escola”, que acaba de ser lançada pela Editora Moderna, é um lugar que atende a quatro requisitos: possui um projeto educativo para o território criado pelas pessoas daquele espaço; agrega escolas que reconhecem seu papel transformador e que entendem a cidade como espaço de aprendizado; multiplica as oportunidades educativas para todas as idades; articula diferentes setores – educação, saúde, cultura, assistência social – em prol do desenvolvimento local e dos indivíduos.
Essa noção é reafirmada por Juarez Melgaço Valadares, docente da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para quem o aumento da carga horária das escolas brasileiras tem dado ainda mais relevância para a questão do território. “Não dá para manter esses meninos e meninas na escola por 4, 5, 8 ou 10 horas. Temos que reforçar a ideia de que a escola tem que explorar os espaços da cidade, torná-la educadora e abrir novas possibilidades de aprendizagem.”
Em sua opinião, enquanto local de prática e experiência, o território contempla uma série de saberes que não podem ser desconsiderados pelos espaços educativos em nome da tradição do saber escolar-científico. “Quem conhece a região, domina certos conhecimentos, histórias e culturas. Se você traz a capoeira para a escola, o folclore, esses saberes populares, você tem outros agenciamentos e o jovem é poroso a tudo isso.”
Segundo o professor, a cidade tem espaços que são negados a determinados grupos sociais e que precisam ser ocupados e transformados. Essa relação gera conflitos e antagonismos que poderão ser usados para a transformação de preconceitos e da realidade local. O que funciona para o espaço público, também pode ajudar a escola.
“A saída para a escola – e não digo que é fácil – é continuar a educar, no entanto, radicalizando esse conceito: aceitando vivências e entendendo culturas e processos de sociabilidade. A vivência do território não se opõe jamais ao saber escolar. São complementares”, acredita.
Em São Paulo, o Bairro Educador Heliópolis é um exemplo dessa trajetória, ao congregar, na EMEF Campos Salles, uma pedagogia democrática e autônoma com uma profunda ligação com a comunidade e seus movimentos sociais. Foram-se os muros, abriram-se as portas.
Outros bairros da capital paulista, como Centro, Vila Madalena e Jardim Ângela – embora tenham realidades distintas – compartilham a mesma intencionalidade. Pelo Brasil, Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Nova Iguaçu (RJ) e Sorocaba (SP) vêm realizando suas próprias tentativas de transformar o espaço comum em currículo e já colhem frutos interessantes.
O município de Sorocaba (SP), para se ter uma ideia, criou em 2005 o programa “Cidade Educadora, Cidade Saudável”, congregando esforços da Secretaria de Educação com as de Saúde, Esporte, Lazer, Cultura e Cidadania, além da pasta de Segurança, para transformar a localidade em um vetor de qualidade de vida.
Uma reforma urbana foi executada, visando a construção de parques, praças, plantio de árvores, ciclovias, academias ao ar livre e a despoluição do rio Sorocaba. A partir daí, estabeleceu-se um sistema pedagógico ancorado em três pilares: aprender a cidade, aprender na cidade e aprender com a cidade. Como toda mudança, a proposta exigiu a qualificação dos educadores e a criação de roteiros pedagógicos que envolvessem as escolas e espaços.
Apesar dos avanços Brasil afora, há muito por fazer quando se fala em Territórios Educativos. Do processo de sensibilização das comunidades e escolas, passando pelos gestores públicos, à incorporação efetiva nas políticas e programas, esse parece ser um dos grandes desafios para a formação de cidadãos autônomos e comprometidos com a democracia no século 21.
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